O empresrio do agronegcio Erai Maggi, um dos donos da propriedade alvo do MPE
Foto: Reproduo
Por causa do surgimento de fatos novos, o Ministrio Pblico de Mato Grosso pediu que processos que discutem a propriedade de lotes nos arredores de Cuiab hoje ocupados pela famlia Maggi, controladora de um dos maiores conglomerados de agronegcio do mundo, voltem primeira instncia para ser julgados de novo depois que seja feita percia nas terras.
Em duas manifestaes, procuradores de Justia disseram que as sentenas proferidas nos casos so ilegais por terem ignorado a possibilidade de existncia de vias pblicas nos terrenos incorporados pelos Maggi.
Os procuradores veem cerceamento de defesa no caso. No houve percia para atestar a existncia de ruas e reas verdes municipais no terreno, segundo eles, e por isso as decises devem ser anuladas.
Em todos os processos relacionados ao caso, o juiz de primeira instncia negou os pedidos de percia se dizendo "suficientemente convencido" pelo "conjunto ftico-probatrio carreado nos autos".
Conforme revelado pelo UOL, a famlia Maggi, por meio de suas empresas, ajuizou oito aes de usucapio para tentar se apropriar de terras registradas em nome do esplio de Feres Bechara, hoje representado por um de seus filhos, Aniz, de 89 anos.
As aes foram ajuizadas pelos dois ramos da famlia, os Maggi, do ex-senador e ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi (fortuna de US$ 1,4 bilho, segundo a Forbes), e os Scheffer, de Era Maggi Scheffer, do GBF (Grupo Bom Futuro), uma das maiores produtoras de gros do mundo, com mais de 615 mil hectares de rea de agricultura.
Nos processos, eles dizem ter comprado as terras de pessoas que as ocupam "h mais de trinta anos", mas nunca tiveram a propriedade regularizada. E apresentam como provas depoimentos dos vendedores e de vizinhos, alm de um "memorial descritivo" feito por um perito contratado pela famlia.
Em nota enviada ao UOL, o Grupo Bom Futuro disse que no vai se manifestar sobre o caso fora dos autos. J a assessoria de Blairo Maggi no respondeu ao pedido de pronunciamento.
Nas contestaes, Aniz Bechara, representado pelo escritrio Cleise Clementi Advocacia, alega que a propriedade das terras nunca foi ada para os ocupantes porque nunca foram vendidas. Afirmam que os Maggi s apresentaram provas da ocupao das terras pelos vendedores desde 2013.
Em entrevista concedida ao UOL no incio do ano, Aniz disse que, depois que o pai morreu, ou a ir a Cuiab para regularizar os documentos de quem comprou e pagou pelas terras. Na ocasio, ele disse que alguns dos compradores no pagaram pelos lotes, e por isso nunca se tornaram de fato proprietrios das terras, que ainda esto em nome de Feres Bechara.
So esses os terrenos que Aniz acusa os Maggi e os Scheffer de ocupar ilegalmente e agora tentar se tornar donos por meio de aes de usucapio - um instrumento jurdico cujo objetivo permitir que pessoas de baixa renda se tornem proprietrias de terras que ocupem por mais de 15 anos sem contestao do dono.
Novo rumo
Os Maggi j conseguiram sentenas favorveis em quase todos os casos, e os lotes j foram efetivamente ocupados pela famlia - que construiu, inclusive, um aeroporto particular no terreno, o Aerdromo Bom Futuro.
Os novos posicionamentos do MP de Mato Grosso, no entanto, podem mudar o rumo dos processos. A relatora de um dos recursos no TJ-MT (Tribunal de Justia de Mato Grosso), desembargadora Serly Marcondes Alves, j levou o caso a julgamento e o retirou de pauta trs vezes. Na ltima, em 6 de novembro, ela disse que o pedido do MP para anulao da sentena e realizao de percia complexo e demanda mais estudos.
Horas depois, a defesa dos Maggi pediu que o caso fosse enviado para a Prefeitura de Cuiab, que ignorou todas as intimaes para manifestao no caso at agora.
Fatos novos
A mudana de posicionamento do MP de Mato Grosso aconteceu aps a defesa de Aniz Bechara descobrir o SIG Cuiab - um sistema de georreferenciamento que sobrepe todos os imveis e lotes da cidade, com as respectivas matrculas e dados cadastrais, a um mapa de Cuiab.
Foi no SIG Cuiab que os advogados perceberam que o terreno hoje ocupado pelas empresas dos Maggi Scheffer engloba vias pblicas e reas verdes de propriedade do municpio, e por isso no poderiam ter a propriedade transferida da forma como vem acontecendo, por meio de aes de usucapio.
O sistema tambm mostra que as terras esto registradas no nome de Feres Bechara. As informaes foram descobertas depois que as decises de primeira instncia j tinham sido tomadas, com dispensa da percia pelo juiz. Por isso, s foram levadas aos processos entre o final de setembro e o incio de outubro.
Em pronunciamento durante uma sesso de julgamento em 2 de outubro, o procurador de Justia Wagner Pachone disse que existe a possibilidade de o Judicirio estar sendo levado a erro pelo "memorial descritivo" apresentado pelos Maggi e pelos Scheffer. "Alguns documentos nos autos mostram, pela viso de satlite, que existem vias pblicas entre um lote e outro, mas no memorial descritivo no consta. At por uma interpretao lgica, entre um lote e outro deve ter uma via de o, ento algo que deve ser comprovado, sob pena de se levar esta cmara a erro", disse o procurador, reiterando o pedido de anulao da sentena e realizao de percia.
J a procuradora Dalva Maria Jesus de Almeida apresentou, em 10 de outubro, parecer por escrito em outra ao de usucapio, movida por uma empresa de Blairo. Segundo ela, existe, no processo, "questo a ser devidamente apurada, qual seja, a noticiada existncia de bens pblicos, na medida em que se denota-se tratar-se de rea dentro do loteamento". Ela tambm pediu a anulao da sentena para que seja feita a percia nas terras e o caso possa ser julgado de novo.
Ainda no houve deciso. A defesa de Aniz pediu ao MP-MT a instaurao de um inqurito civil para apurar se os Maggi esto tentando se apropriar de terras pblicas e de um inqurito policial para investigar se houve fraude nos documentos apresentados para conseguir a autorizao do aeroporto.
O inqurito policial foi aberto e est em fase de instruo. O MP ainda no se pronunciou sobre o pedido de abertura de inqurito civil.