Escolas de samba do Rio de Janeiro tm ampliado as fronteiras e estreitado o relacionamento com estrangeiros entusiasmados com o som da bateria e o movimento de istas. A vontade de estar neste ambiente tanta que representaes das escolas se espalham pelo mundo.
Uma dessas representaes a London School of Samba, escola de samba da capital da Inglaterra e do Reino Unido, criada em 1984. Cinco anos depois, foi apadrinhada pela Mocidade Independente de Padre Miguel e tambm tem as cores verde e branco estampadas no seu pavilho.
“Eles ficaram encantados com a Mocidade, at porque a Mocidade teve um perodo ureo ganhando tudo e juntou o til ao agradvel na poca. Desde que a escola foi inaugurada j foi em homenagem Mocidade”, disse o diretor de Marketing da Mocidade, Bryan Clem, em entrevista Agncia Brasil.
A grande apresentao da escola em agosto no carnaval de Notting Hill, bairro de Londres, desfile que durante trs dias ainda conta com representaes de outros pases. Em 2022 a afilhada desfilou com o Sonhar no custa nada! Ou quase nada, samba enredo da Mocidade, no carnaval Rio de 1992.
No ltimo fim de semana, integrantes da escola londrina vieram ao Rio e participaram de um intercmbio cultural para troca de experincias e conhecimentos nas reas de marketing e comunicao, nas quais a Mocidade entende que j se consolidou como referncia no carnaval carioca.
No encontro no faltou animao ao som de sambas enredos da verde e branco de Padre Miguel, especialmente o Pede Caju Que Dou...P de Caju Que D!, que se transformou no maior sucesso dos desfiles de 2024 e foi amplamente tocado nas plataformas como o Spotify.
Segundo Bryan Clem, comum integrantes da escola londrina virem ao Brasil para desfilar no carnaval do Rio e fazer oficinas com istas e ritmistas. Alm disso, brasileiros vo at l conhecer o trabalho realizado na capital inglesa. “Convidam a gente para ir l trocar uma ideia, fazer um intercmbio, pensar em mais aes conjuntas, pensar juntos para ampliar ainda mais o nosso carnaval e a nossa cultura”, disse.
O intercmbio inclui tambm dicas de como buscar mais recursos para manter a escola financeiramente. “A gente mostra o dia a dia da escola, o que d certo comercialmente para ajud-los a buscar mais recursos para a escola, como buscar parceiros para isso, como se posicionar no mercado e usar as redes sociais em favor da escola para ampliar a mensagem comercialmente da marca deles. No que eles precisarem da gente podem super contar”, comentou Bryan.
Embora haja brasileiros entre os componentes, a maioria de britnicos e eles gostam tambm de aprender o portugus. Com isso as conversas geralmente mesclam os dois idiomas. “O mestre de bateria britnico, a rainha de bateria britnica, quem ensina a coreografia dos istas londrinos uma brasileira, mestre-sala e porta-bandeira so londrinos, mas sempre tem um brasileiro que ajuda o processo e o conselho da escola para deixar mais forte o conceito da cultura brasileira no carnaval”, informou.
Durante o ano a London School of Samba desenvolve oficinas, inclusive para pessoas que no fazem parte dos desfiles, o que acaba sendo mais uma fonte de renda para manter a sua estrutura. “A escola grande, s a bateria so uns 80. Eles desfilam com 200 pessoas pelo menos. Para ser uma escola fora do Brasil, grande”, completou Bryan Clem, prometendo a ida de componentes da Mocidade para o carnaval em agosto de Notting Hill.
O paulista Daniel Souza Bittar entrou para a escola em junho do ano ado, o que foi uma das melhores coisas que aconteceram com ele desde que chegou a Londres em 2019, para fazer graduao em bioqumica. Mas sentia saudade da bateria, instrumento que tocava desde pequeno aqui no Brasil e que no pde levar na bagagem.
Foi uma amiga queniana, com quem estuda na faculdade, que o levou para uma aula de samba. “Eu nem sabia onde era e aconteceu que era na London School of Samba. Depois da aula de dana, vi um pessoal carregando instrumentos e fiquei para a oficina de bateria. Me apaixonei e fui me envolvendo cada vez mais com a escola e a organizao”, disse em udio encaminhado por Whatsapp a pedido da reprter.
Atualmente, Daniel , tambm, o carnavalesco da escola, e junto com integrantes mais experientes desenvolveu o enredo que vai comemorar os 40 anos da agremiao. Ele conta as origens da verde e branco britnica, com o tema Back to the Roots e as origens do samba. “Nosso enredo desse ano foi composto por um dos fundadores, e foi o primeiro mestre de bateria em 1984, o Bosco de Oliveira, contando as origens que vem do candombl de Angola, candombl nag e da miscigenao de cultura tanto da frica central, como do sul e do imprio de Iorub, terreiro de Tia Ciata, tudo aquilo que a gente conhece da histria do samba no Rio”, disse.
O brasileiro trabalha como tcnico de laboratrio na King's College London, onde estuda, mas tem muita satisfao em frequentar a escola de samba. “Eu ainda estou na minha rea de bioqumica, mas acho que os trabalhos na escola de samba, como carnavalesco e como ritmista, ocupam minha cabea mais que tudo. com maior prazer, muita felicidade, muito orgulho, muito amor que a gente tenta disseminar e preservar a cultura aqui to longe da nossa terra, do Brasil”, afirmou.
“ um desafio trazer este tipo de cultura para c, porque ela to apreciada, s vezes mais do que apreciada por ns no Brasil, mas o problema a falta de referncia. muito fcil cair na armadilha de superficialidade. Acho que foi por isso tambm que este ano a gente resolveu fazer um enredo muito embasado e muito relacionado s razes do samba, no s para a comunidade inteira de Londres, mas para a nossa comunidade da escola tambm se aprofundar em uma cultura to rica”, completou, Daniel.
Mangueira
A presena da Estao Primeira de Mangueira na terra do sol nascente j vem de longe. A Verde e Rosa a inspirao da Escola de Samba Sade YokohaMangueira, criada pelo professor japons Kisuke Sakuma, em 1985. O nome da escola composto por duas marcas fortes. A cidade japonesa e a escola de samba carioca.
lvaro Luiz Caetano, o Alvinho, presidente da Mangueira entre 2001 e 2006 contou que por vir constantemente ao Brasil, estar sempre em contato com a Verde e Rosa, e participar das atividades da Estao Primeira, Sakuma se tornou embaixador da agremiao carioca no Japo. No intercmbio foram criados alguns cursos de istas e ritmistas dos quais participavam integrantes da agremiao de Yokohama e estreitaram o relacionamento entre as escolas.
“Esse intercmbio existe. Eles compem e cantam o samba em portugus. O desfile l [em agosto] um negcio difcil de acreditar que aquilo acontea no Japo. bonito. Tem vrias escolas. Acredito que est mais ou menos no nvel das escolas de samba da Intendente Magalhes”, comparou Alvinho em entrevista Agncia Brasil.
Com a morte de Sakuma, pouco tempo depois do vazamento da usina nuclear de Fukushima, em maro de 2011, quem assumiu o cargo foi Roberto Matsushita, que de tanto gostar do Brasil, escolheu esse nome em portugus para ser chamado por aqui e facilitar a comunicao com brasileiros.
“Esses japoneses so mangueirenses de corao. Eles vm com tempo. Se o carnaval 20 de fevereiro, eles chegam dia 5 e ficam aqui 15 dias. Vo para os ensaios, feijoada, rodas de samba. Eles vm em grupo grande”, disse, saudoso do amigo Sakuma, criador da escola japonesa, que dava aulas de portugus em seu pas.
Beija Flor
Outra escola que ampliou os seus domnios, mas na Espanha, a Beija-Flor. A azul e branco de Nilpolis da Baixada Fluminense, desfilou em 2019 e este ano voltou a se apresentar no Festival de Magdalena, que ocorre em maro, na provncia de Castelln.
A diretora de projetos especiais da Beija-Flor, Jlia Rodrigues, disse que este ano a delegao que foi Espanha tinha 20 pessoas, entre elas, o mestre de bateria Rodney que estava presente em 2019 e em 2024. Alm de apresentaes durante trs dias no Festival de Magdalena, os integrantes foram para Madri, onde tambm fizeram exibies e visitaram a embaixada brasileira na cidade.
“O melhor de tudo isso ver brasileiros, que j vivem h mais de 20 anos na Espanha, poderem ter contatos com a cultura do seu pas. Alm de uma valorizao do trabalho dos istas, uma possibilidade de v-los como artistas, porque as pessoas, s vezes, acabam tendo o preconceito do sambista, no como um artista de fato, e l fora tem essa valorizao. Foi muito gratificante e emocionante”, explicou Agncia Brasil.
Jlia Rodrigues contou que no caminho de consolidao da marca Beija-Flor fora do Brasil, a escola apresentou embaixada brasileira um planejamento para a realizao de temporadas na Espanha e em outros pases europeus com oficinas de percusso, samba e confeco de adereos.
A expanso da Beija-Flor tambm a pela presena de diversos componentes que so convidados para se apresentar em diversos pases. Como exemplo, a diretora lembrou que as istas Aieny Mendes e Ana Clara Gouvea esto no Marrocos e Sabrina Coradini, na Tunsia. Os diretores de bateria Diego Oliveira e Michel Silva fizeram workshop na Espanha e viajam sempre fazendo intercmbios.
“A gente no somente uma festa [como o carnaval visto s vezes]. A gente tambm leva conosco uma responsabilidade social: qualifica jovens para inserir no mercado de trabalho, valoriza a economia criativa, ento abre oportunidades para a empregabilidade. Isso tambm, um outro lado do carnaval que a gente precisa expandir e mostrar o impacto na sociedade como um todo”, ressaltou.
“A gente deixou bem claro junto embaixada para que, quando o brasileiro que atua no carnaval for para fora do pas, ele no ser visto de uma forma promscua. Ainda h um pouco de preconceito, principalmente com relao ista. A gente precisa transformar a forma como visto o carnaval. Isso cultura e arte atravs da dana”, pontuou Jlia, defendendo mais uma vez o fortalecimento da imagem das escolas de samba.