Cooperativas e empresrios driblam regras do setor de minerao para criar mega-reas para explorao de ouro de forma ilegal na Amaznia, em regies maiores que os limites de grandes capitais do Brasil.
Levantamento feito pela Folha com base em registros ativos na ANM (Agncia Nacional de Minerao) revela, por exemplo, que uma nica cooperativa acumula mais de 200 mil hectares, tamanho superior ao do municpio de So Paulo.
Se fosse uma mineradora, essa cooperativa seria a terceira maior do pas em rea, atrs apenas da Vale e da Companhia Brasileira de Alumnio.
Em outra brecha na lei, uma nica pessoa conseguiu autorizao para explorar 8.000 hectares, mais que o tamanho de Serra Pelada, que foi o maior garimpo a cu aberto do mundo e onde atuaram cerca de 100 mil trabalhadores no seu auge.
Atualmente, as regras sobre minerao determinam que um s F pode ter at cinco garimpos, e que cada um desses deve ter apenas 50 hectares --limite que sobe para 10 mil no caso de pessoas jurdicas, as cooperativas.
Essas restries, no entanto, foram determinadas por portarias e normativas e, como revelam os dados, so desrespeitadas.
Como mostrou a Folha, a ANM foi sucateada nos ltimos anos e no capaz de fiscalizar o setor.
Um dos sintomas disso uma bilionria evaso fiscal, mas tambm o surgimento desses megagarimpos.
O levantamento feito pela reportagem mostra, por exemplo, que Jos Antunes, conhecido como dr. Jos Antunes, ligado Amot (Associao dos Mineradores de Ouro do Tapajs), tem 161 requerimentos ativos de garimpo na ANM, acumulando 8.048 hectares no estado do Par.
No caso das cooperativas, o cenrio pior. A Cooperalfa (Cooperativa de Pequenos Mineradores de Ouro e Pedras Preciosas de Alta Floresta) tem 48 requerimentos ativos na ANM, que somam 207,8 mil hectares em Mato Grosso.
Para comparar, Ancara, capital e segunda maior cidade da Turquia, tem cerca de 205 mil hectares; o municpio de So Paulo, 105 mil hectares.
Os requerimentos da Cooperalfa ficam todos prximos uns dos outros, a grande maioria colados, o que na prtica transforma toda uma regio do norte mato-grossense em um enorme garimpo.
Outras duas cooperativas ultraam os 100 mil hectares. A Coogavepe (Cooperativa dos Garimpeiros do Vale do Rio Peixoto), com 207,4 mil hectares e 197 requerimentos, em Mato Grosso; e a Coogam (Cooperativa dos Garimpeiros da Amaznia), no Amazonas, com 129,9 mil hectares e 25 registros na ANM.
Procurada, a ANM disse que est revisando a norma burlada por cooperativas e empresrios.
A agncia cita que "desde o incio de 2023 h um esforo coordenado pelo Ministrio da Justia para rastreio da cadeia do ouro, de modo a coibir evaso de divisas e minerao ilegal".
A Coogam, por sua vez, afirmou que "no compactua com nenhum tipo de ilegalidade, muito menos dribla restries para criar megagarimpos", e que seus requerimentos junto a ANM "so para atender a necessidade de seus cooperados, garantindo que possam lavrar de forma lcita".
A Folha no conseguiu contato com Jos Antunes. A Cooperalfa e a Coogavepe no responderam.
O fato de as restries serem determinadas por normas, no no texto da lei, facilita a atuao s margens da fiscalizao.
Atualmente, o registro de extrao de ouro feito por autodeclarao, ou seja, o prprio garimpeiro diz a quantidade e Para driblar a lei, criminosos extraem o material de reas ilegais --como terras indgenas ou mesmo reas privadas, mas sem autorizao na ANM-- e o registram como se tivesse origem em uma rea regularizada.
Essa a prtica mais comum para lavagem de ouro ilegal no Brasil e serve tambm para alimentar a exportao do minrio para algumas das maiores empresas do mundo, como a Disney e a Amazon.
Hoje, as cooperativas se tornaram um mecanismo importante para comercializar o ouro irregular e viraram alvo da Polcia Federal (PF).
Esses grupos podem registrar reas maiores na ANM e conseguem declarar que exploram mais minrio. Portanto, tm capacidade de lavar mais ouro, levantando menos suspeitas.
Outro caso comum o de pessoas fsicas que funcionam como facilitadoras informais do processo burocrtico dentro da agncia. Elas atuam irregularmente para pequenos garimpos encaminhando todo o processo burocrtico --que inclui a necessidade de estudos geogrficos. O registro da lavra fica no nome do atravessador, que lucra com o negcio.
Muitos garimpos so operados por famlias de baixa renda sem condies financeiras de viajar para uma cidade maior, protocolar documentos em cartrio ou acompanhar a tramitao de suas solicitaes.
A atual presidente da Funai (Fundao dos Povos Indgenas do Brasil), Joenia Wapichana, quando deputada, apresentou um projeto de lei para criar um sistema de rastreabilidade do ouro e acabar com a autodeclarao.
J Joaquim arinho (PL-PA) quer alterar o Cdigo da Minerao, o que pode colocar no texto da lei as restries das lavras garimpeiras.
Julio Lopes (PP-RJ), por sua vez, protocolou um projeto para criar um rgo de monitoramento da minerao, que tem como objetivo sistematizar as informaes do setor e coibir prticas ilegais, como essas.