O projeto substitutivo da reforma tributria apresentado na Cmara dos Deputados pode aumentar impostos de alimentos que formam a cesta bsica da populao brasileira, segundo alertaram especialistas ouvidos pela Agncia Brasil. Por outro lado, o coordenador do grupo de trabalho da reforma na Cmara, o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), afirma que o tema ainda est em debate e que parlamento no deve permitir aumento de imposto sobre alimentos bsicos para os mais pobres.
O ex-secretrio Nacional de Segurana Alimentar e Nutricional de 2013 a 2016 e membro do Instituto Fome Zero, Arnoldo Anacleto, avaliou como “escandaloso” o trecho sobre alimentos do substitutivo da Proposta de Emenda Constituio (PEC 45/2019) apresentado pelo deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
Anacleto lembra que um dos pontos positivos do atual sistema tributrio brasileiro o imposto zero - tanto federal, quanto estadual - para produtos hortifrutigranjeiros (saladas, verduras, razes, tubrculos, frutas, leite, ovo), considerados mais saudveis. O problema, segundo o especialista, que o artigo 8 do parecer preliminar da reforma prev que “alimentos destinados ao consumo humano” podem ter as alquotas reduzidas em 50%. Com isso, alimentos hoje totalmente isentos seriam tributados, ainda que com alquotas menores.
“Vamos aumentar os impostos significativamente dos in natura e minimamente processados, que a base da alimentao saudvel, que a gente quer estimular e o que t causando inflao. Ns vamos encarecer a cesta bsica”, afirmou o especialista, que hoje atua como consultor da Organizao das Naes Unidas para a Alimentao e Agricultura (FAO). “Para mim um escndalo”, acrescentou.
A Oxfam Brasil compartilha dessa preocupao. O coordenador de Justia Social e Econmica da entidade, Jefferson Nascimento, argumenta que, apesar do artigo 8 prever uma alquota menor, ela ser maior “do que aquela que a gente vivencia hoje em diversos produtos da cesta bsica. Ento isso com certeza algo preocupante”. A Oxfam Brasil uma organizao sem fins lucrativos que atua no combate s desigualdades e pobreza, sendo uma das 70 entidades que am o Manifesto pela Reforma Tributria Saudvel, Solidria e Sustentvel.
As grandes varejistas da alimentao tambm demonstraram preocupao. Em nota, a Associao Brasileira de Supermercados (ABRAS) opinou que “como o texto no deixa expresso qual ser a alquota de referncia do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), a cobrana de uma alquota reduzida pode, sim, onerar produtos que hoje so isentos, causando um aumento de preos generalizado em itens que compem a cesta bsica”.
Responsvel pela poltica do governo federal para produo de alimentos para consumo interno, o ministro do Desenvolvimento Agrrio e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, disse Agncia Brasil que est dialogando com o relator, Aguinaldo Ribeiro, e com o deputado Reginaldo Lopes, “no sentido de no tributar alimentos saudveis, evidentemente eu acho que tem que ter uma tributao para os ultraprocessados”. O ministro acrescentou que se o texto for mesmo causar aumento da tributao de alimentos “o governo deve dialogar com o Congresso para evitar (o aumento)”.
O coordenador do grupo de trabalho de reforma, deputado Reginaldo Lopes, em entrevista Agncia Brasil, ponderou que o tema dos alimentos da cesta bsica ainda est em discusso e pode ser alterado. “Ns vamos avaliar. O nosso primeiro compromisso no ter aumento de imposto e menos ainda para o povo mais pobre”.
O parlamentar acrescentou que o mecanismo de cashback, que a devoluo de parte do dinheiro gasto com a compra de algum produto, deve compensar qualquer eventual aumento de tributo, alm de considerar que uma forma mais eficiente de se fazer justia tributria em comparao com as desoneraes que hoje existem para os alimentos.
Procuramos o relator da matria, deputado Aguinaldo Ribeiro, para comentar o tema, mas a assessoria informou que ele no teria tempo devido a agenda de reunies sobre a reforma tributria. A expectativa que o tema seja votado no plenrio da Cmara at a segunda semana de julho.
Cashback
O texto da reforma prev o cashback ao incluir a previso de “hipteses de devoluo do imposto a pessoas fsicas, inclusive os limites e os beneficirios”, o que deve ser regulamentado em lei posterior, sem prazo definido. A Oxfam Brasil, em nota, alertou que o mecanismo de difcil implementao, alm de destacar que o tempo “entre o estabelecimento do IVA e a regulamentao do cashback pode deixar milhes de famlias de baixa renda expostas ao aumento da alquota sobre produtos essenciais, a depender da reviso da desonerao de itens da cesta bsica”.
O pesquisador do Instituto Fome Zero, Arnoldo Anacleto, argumenta que boa parte dos trabalhadores brasileiros est no mercado informal, o que deve dificultar a devoluo de valores pagos. “Esse negcio que o cashback vai resolver, no vai resolver. Ele come ali no ponto de nibus. Ele come a quentinha que est sendo vendida l por R$12,00, ele t na economia informal. Como que ele vai gerar crdito?” questionou o especialista.
Para o coordenador do grupo de trabalho da reforma, Reginaldo Lopes, possvel fazer a devoluo via cashback de forma eficiente, sendo essa uma poltica mais justa do ponto de vista da desigualdade uma vez que hoje tanto o rico quanto o pobre recebem a mesma desonerao dos alimentos.
“Ento voc onera uma parte (mais rica) e desonera outra devolvendo o dinheiro para os mais pobres criando o cashback. Nossa reforma para melhorar a vida do povo, para dar eficincia produtiva. Porque hoje o nosso modelo imposto sobre imposto”, explicou. O petista acrescentou que h outras possibilidades sendo discutidas na Cmara, como a reviso de parte dos itens da cesta bsica. “A gente revisita a cesta bsica e, em vez de isentar os 1.300 produtos, isentamos alguns produtos mais importantes e nos outros devolvemos em cashback”, revelou.
Para o parlamentar, a desonerao no eficiente porque no h garantias de que ela chegue no preo final do alimento. “Eu fao uma alquota diferenciada por setor, sabe o que acontece? Ela incorporada na margem de lucro da empresa” afirmou. Para Reginaldo Lopes, “o cashback um instrumento que voc focaliza a desigualdade e resolve ela”.