A cobrana de Imposto de Importao para compras de at US$ 50 (equivalente a cerca de R$ 260) deve ser votada pelo Senado nesta semana, de acordo com o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O tributo impacta, principalmente, compras de itens de vesturio feminino por meio de varejistas internacionais.
A Agncia Brasil preparou uma reportagem para explicar o que mudar caso a cobrana seja aprovada e vire lei, a cronologia que envolve esse debate e o que defendem os que so contra e a favor.
Projeto de lei
A cobrana de imposto nas compras internacionais at US$ 50 faz parte do Projeto de Lei (PL) 914/24, que chegou ao Senado na ltima quarta-feira (29), um dia depois de ter sido aprovado pela Cmara dos Deputados.
Originalmente, o PL trata do Programa Mobilidade Verde e Inovao (Mover), destinado ao desenvolvimento de tecnologias para produo de veculos que emitam menos gases de efeito estufa. A taxao das compras internacionais foi includa no PL por deciso do deputado tila Lira (PP-PI), relator da matria.
Assim que chegou ao Senado, o lder do Governo, senador Jaques Wagner (PT-BA), requereu que a tramitao seja em regime de urgncia, o que apressa a votao. O presidente da Casa informou que consultar as lideranas partidrias para que se defina se o projeto tramitar com ou sem urgncia.
O que mudaria
A medida aprovada pelos deputados determina que compras internacionais de at US$ 50 aro a ter a cobrana do Imposto de Importao (II), com alquota de 20%.
Compras dentro desse limite so muito comuns em sites de varejistas estrangeiros, notadamente do Sudeste Asitico, como Shopee, AliExpress e Shein.
Essas plataformas so chamadas de market place, ou seja, uma grande vitrine de produtos de terceiros, e os preos costumam ser bem mais baratos que os de fabricantes brasileiros.
A cobrana tratada pelo PL um tributo federal. Fora isso, as compras dentro desse limite de US$ 50 recebem alquota de 17% do Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios (ICMS), um encargo estadual.
Dessa forma, o consumidor que comprar um produto de R$ 100 (j includos frete e seguro) teria que pagar a alquota do Imposto de Importao mais o ICMS, o que levaria o preo final para R$ 140,40.
Pelo PL, cobranas acima de US$ 50 e at US$ 3 mil tero alquota de 60% com desconto de US$ 20 (cerca de R$ 100) do tributo a pagar.
Negociao
Se ar pelas duas casas legislativas, a medida precisar do aval da Presidncia da Repblica para entrar em vigor.
Na sexta-feira (31), o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indstria, Comrcio e Servios, Geraldo Alckmin, afirmou que o PL resultado de uma negociao entre quem defendia iseno e quem desejava alquota de 60% para qualquer valor.
Segundo Alckmin, o texto que foi para votao “atende parcialmente” indstria. O vice-presidente disse ainda que acredita que o PL ter o aval do presidente Luiz Incio Lula da Silva.
"O meu entendimento que ele no vetar, porque isso foi aprovado praticamente por unanimidade. Foi um acordo de todos os partidos polticos. Acho que foi um acordo inteligente, no vai onerar tanto quem est comprando um produto de fora, mas vai fazer diferena para preservar emprego e renda aqui”, afirmou em entrevista BandNews TV.
No ltimo dia 23, ou seja, antes da aprovao pela Cmara dos Deputados, o presidente Lula tinha dito, em conversa com jornalistas, que “a tendncia vetar, mas a tendncia tambm pode ser negociar”. Lula acrescentou que estava disponvel para discutir o tema com o presidente da Cmara, Arthur Lira (PP-AL).
Como atualmente
O debate sobre a taxao se iniciou em abril de 2023. Seria uma forma de o governo impedir que empresas burlassem a Receita Federal, isso porque remessas entre pessoas fsicas at US$ 50, sem fins comerciais, no eram tributadas, e empresas estariam fazendo vendas como se fossem envios de pessoas fsicas.
Alm disso, varejistas brasileiras pediam por alguma forma de cobrana desses produtos estrangeiros, alegando concorrncia desleal.
O anncio da cobrana atraiu reaes contrrias. Dessa forma, o governo criou o programa Remessa Conforme, que ou a valer em 1 de agosto de 2023. Empresas que aderiram regulamentao ficaram isentas de cobrana de imposto em produtos at US$ 50, desde que obedecessem a uma srie de normas, como dar transparncia sobre a origem do produto, dados do remetente e discriminao de cobranas, como o ICMS e frete, para o consumidor saber exatamente quanto estava pagando em cada um desses itens.
Um dos efeitos do programa, que teve a anuncia das principais empresas de market place, que as entregas ficaram mais rpidas, pois a fiscalizao da Receita Federal ficou mais fcil com as informaes fornecidas pelas empresas.
De acordo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o Remessa Conforme deu mais transparncia para as compras internacionais. “O Remessa Conforme para dar transparncia para o problema. Saber quantos pacotes esto entrando, quanto custa, quem est comprando”, disse na Comisso de Finanas e Tributao da Cmara dos Deputados na ltima quarta-feira (22).
Itens entre US$ 50 e US$ 3 mil continuaram com alquota de 60%. Acima desse valor, a importao proibida pelos Correios e por transportadoras privadas.
Empresas brasileiras
A iseno proporcionada pelo Remessa Conforme incomodou setores da indstria e do comrcio no Brasil. Entidades representativas apontam que a no cobrana de impostos permite um desequilbrio na concorrncia, que favorece empresas estrangeiras.
Ainda antes do incio do Remessa Conforme, a Confederao Nacional da Indstria (CNI) e o Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV) apresentam ao ministro Haddad um estudo que estimava at 2,5 milhes de demisses por causa da iseno para empresas de fora do pas.
Varejista chinesa
Aps a aprovao do PL 914/24 na Cmara dos Deputados, a empresa chinesa Shein, uma das principais beneficiadas pela iseno, chamou a aprovao de “retrocesso”. Apontando que 88% dos clientes da companhia so das classes C, D e E, a varejista afirmou ver risco para os consumidores.
“Com o fim da iseno, a carga tributria que recair sob o consumidor final ar a ser de 44,5%, o que com a iseno se mantinha em torno de 20,82% devido cobrana do ICMS, no valor de 17%. Ou seja, um vestido que o consumidor da Shein comprava no site por R$ 81,99 (com ICMS de 17% incluso) agora custar mais de 98 reais com a nova carga tributria, formada pelo Imposto de Importao de 20% mais o ICMS de 17%”, estimou em nota.
“A Shein reafirma o seu compromisso com o consumidor e refora que seguir dialogando e trabalhando junto ao governo e demais partes interessadas para encontrar caminhos que possam viabilizar o o da populao para que continue tendo o ao mercado global.”
A varejista tambm minimizou a relevncia do comrcio eletrnico a partir de empresas estrangeiras. “Estudos apontam que o e-commerce, no geral, representa entre 10% e 15% do varejo nacional. Enquanto isso, a parcela do e-commerce de plataformas internacionais no alcanaria mais do que 0,5% do varejo nacional, de acordo com estudo de 2024 da Tendncias Consultoria.”
Entidades brasileiras
Ao defender que no haja iseno para empresas estrangeiras, a Confederao Nacional do Comrcio de Bens, Servios e Turismo (CNC) apresentou na ltima segunda-feira (27) um estudo feito com dados da Secretaria de Comrcio Exterior (Secex), do Ministrio do Desenvolvimento, Indstria, Comrcio e Servios (MDIC).
Segundo o levantamento, a quantidade de itens de bens de consumo com valor de importao de at US$ 50 por unidade cresceu 35% em 2023 em relao a 2022. Lideraram as encomendas produtos originrios da China (51,8% do total). O segmento com maior aumento foi o de itens de vesturio feminino, como calas, bermudas e shorts (alta de 407,4%).
“A iseno at US$ 50 uma ofensa ao empresrio brasileiro, que o responsvel por gerar emprego, renda e impostos para a economia brasileira”, criticou o economista-chefe da CNC, Felipe Tavares.
Na viso dele, a potencial perda de emprego no Brasil no compensa a oportunidade de comprar produtos mais baratos no exterior. “Sem empresas nacionais, no tem trabalho. Sem trabalho, no tem renda. Sem renda, no importa se aquela blusinha custa R$ 1 ou R$ 1 milho, no tem como o brasileiro comprar.”
Em comunicado conjunto com a CNC, a CNI classifica de ineficiente a aprovao da alquota de 20%.
“A deciso de taxar em apenas 20% as compras internacionais no suficiente para evitar a concorrncia desleal, embora seja um primeiro o bastante tmido em direo isonomia tributria e sua equiparao com a produo nacional”, diz o comunicado.
A nota elenca como principais prejudicados os setores de produtos txteis, confeco de artefatos do vesturio e rios, calados, artefatos de couro, produtos de limpeza, cosmticos, perfumaria e higiene pessoal.
A aprovao da taxao pelos deputados federais “um importante avano no debate sobre a necessria busca de isonomia tributria”, avalia comunicado conjunto da Associao Brasileira da Indstria Txtil e de Confeco (Abit), Associao Brasileira do Varejo Txtil (Abvtex) e o IDV.