Sua presena na Prelazia nos traz a paixo com a qual ele carrega suas bandeiras”. como o convvio com Dom Pedro Casaldliga na Prelazia deSo Flix do Araguaia- sediada no pequeno municpio de Porto Alegre do Norte (a 958 km de Cuiab) - definido por Dom Adriano Ciocca Vasino, atual bispo daquela diocese. Conhecido como uma dos maiores vozes da ala progressista do clero brasileiro, Casaldliga, que faz 92 anos neste domingo (16), ainda vive na casa simples onde sempre morou desde que se mudou para o interior de Mato Grosso, nos anos de 1970.

As bandeiras, s quais Dom Adriano faz referncia, so numerosas. O “bispo do povo”, como ficou conhecido, ou a vida defendendo a Reforma Agrria, as causas indgena, quilombola e ecolgica e uma Igreja menos centralizada no poder do Vaticano. A postura aguerrida em prol dos menos favorecidos o fez somar inimizades e ameaas de morte ao longo dos anos, que no o fizeram desanimar de suas convices. Para ele, a distribuio de terra sempre foi especialmente injusta no Brasil dos latifndios e viver o Evangelho ignorando o sofrimento de centenas de camponeses sem-terra seria uma mentira.

Espanhol, mudou-se para o Brasil em 1968 e aqui decidiu que “precisava vivenciar a palavra de Cristo latinoamericanamente”. Por isso, emprestou voz ao coro da Teologia da Libertao, corrente que defende que o cristianismo deve fomentar a libertao das pessoas de injustias sociais, polticas e econmicas. Seus posicionamentos, tantas vezes considerados comunistas, foram diversas vezes contestados pelo Vaticano, a quem tambm direcionava muitas crticas. “Eu gostaria que o Vaticano nem possusse um banco, isso no ajuda a credibilidade da Igreja (...) Alm disso, a Igreja ainda muito eurocentrista. O terceiro mundo ainda no se sente em casa”.

Marcada por polmicas, sua trajetria inclui a excomunho de grandes propriedades rurais e recusa em batizar filhos de fazendeiros. Argumentava que sempre daria preferncia para o dilogo e para o perdo, mas que no poderia ignorar os massacres promovidos por aquelas pessoas e que jamais aceitaria a exibio da Igreja em espaos que pudessem ofender ndios, posseiros e pees. “Para batizar uma criana, pais e padrinhos devem ter f, participar da comunidade e no podem ser perseguidores. No pode haver batismo apoiado por quem no acredita na Igreja”, alegava.

Por denunciar opresso a ndios e camponeses, foi perseguido durante a ditadura militar brasileira, tendo sido alvo de processo de expulso do pas pelo menos cinco vezes. Suas denncias sempre foram diretas. Casaldliga nunca teve medo de citar nomes e sobrenomes.

O posicionamento, entretanto, no despertou somente o descontentamento dos poderosos da regio. Dentre as tantas advertncias vindas de Roma, uma vez ouviu que seu tom era “explicitamente subversivo” e ultraava “todos os limites da prudncia e da oportunidade”. Por conta de suas declaraes polmicas, foi convidado a prestar esclarecimentos ao Papa Joo Paulo II. Na ocasio, afirmou diante do pontfice que seu compromisso maior era com So Pedro (fundador da Igreja Catlica) e no com o Vaticano.

Nem mesmo a sade extremamente debilitada fez Dom Pedro Casaldligadesistir de cumprir sua promessa de nunca deixar So Flix do Araguaia. Fragilizado pelo Parkinson, o bispo emrito vive h trs anos em uma cadeira de rodas, se comunica com muita dificuldade e no acompanha mais a realidade poltica da regio e do pas. H o consenso, porm, entre as tantas pessoas que o visitam frequentemente, que a fora e determinao que marcaram sua trajetria de luta ainda so visveis em seu olhar atento a todos que chegam. Como todos os anos, neste 16 de fevereiro, sua vida ser mais uma vez celebrada em uma comemorao organizada por sua comunidade. Amado e irado, o bispo do povo continua sendo smbolo da luta pelos direitos humanos, f, paz e justia.